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Operação França

por Graciliano Rocha

Perfil Graciliano Rocha é repórter e vive em Paris

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“Meio-homem, meio-porco”: inferno de DSK é um bom negócio

Por grocha
26/02/13 07:42

Dominique Strauss-Kahn é uma espécie de Sherman McCoy da vida real. Como o protagonista de “Fogueira das Vaidades”, obra-prima de Tom Wolfe, DSK tinha tudo – absolutamente tudo – e viu seu mundo desmoronar repentinamente.

Casado com uma milionária, o diretor-presidente do FMI seria possivelmente o candidato do Partido Socialista na eleição francesa de 2011.

Se a vida de Sherman McCoy começou a se desmantelar após um atropelamento acidental, a virada dramática de DSK começou em um quarto de hotel em Nova York, cenário de uma suposta tentativa de estupro de uma camareira. A acusação criminal foi arquivada, mas um acordo financeiro fechado em dezembro pôs fim ao processo civil.

Como é de conhecimento público, ele perdeu a mulher e renunciou ao cargo no FMI por causa do escândalo. O sonho da candidatura presidencial virou fumaça (eleição vencida, aliás, pelo colega de partido François Hollande). DSK é atualmente investigado por supostas ligações com uma rede de prostituição no norte da França.

Noves fora, o inferno de DSK continua rendendo bons negócios. Atende agora pelo nome de Marcela Iacub, advogada nascida na Argentina e radicada na França que resolveu por, no papel, de forma romanceada, o caso que ela teve com uma criatura descrita como “meio-homem, meio-porco”.

O nome do ex-diretor-presidente do FMI não aparece em nenhum trecho da obra “A Bela e a Fera”, mas a identidade desta última – descrita ainda como “machista e vulgar” – não é mistério para ninguém.

À revista “Le Nouvel Observateur” Iacub confirmou que se trata de DSK, com quem ela teve um romance durante sete meses no ano passado. Iacub diz que foi fiel aos lugares e episódios, mas teve de recorrer à ficção para descrever as cenas sexuais. Neste trecho (em francês), ela discorre sobre as qualidades do porco: “maravilhoso” enquanto “poeta da abjeção e da sujeira”. Elogio estranho.

Em um tributo ao gosto duvidoso, a capa do livro é ilustrada com um par de sapatos de salto – que simboliza Iacub – ao lado de um leitãozinho, que é DSK, obviamente.

Numa carta a um dos fundadores de “Le Nouvel Observateur”, Strauss-Kahn transpira indignação com Iacub “que seduz para escrever um livro, usando sentimentos amorosos para depois explorá-los financeiramente”. Chamou o livro de “desprezível e mentiroso”.

O livro deve chegar às livrarias nesta quarta, exceto se DSK conseguir evitar. Ele foi aos tribunais contra a obra alegando violação da sua vida privada. A audiência está em curso.

PS: Por falar em personagens que frequentam o noticiário por causa de aventuras sexuais, a coligação liderada pelo ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi deverá ficar com a maioria das cadeiras no Senado italiano. 

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Breve glossário dos eufemismos franceses

Por grocha
21/02/13 08:00

Causou espécie a carta escrita pelo presidente da Titan  (fabricante de pneus dos EUA), Maurice Taylor Jr., ao ministro da Indústria da França, Arnaud Montebourg.

A Good-Year anunciou o fechamento de sua fábrica em Amiens-Nord (leia post sobre o assunto) e o presidente da Titan, sondado para assumi-la, usou termos que podem ser considerados diretos demais para um país que se orgulha da sutileza de seus eufemismos.

O jornal econômico “Les Echos”, que obteve o documento (aqui, em francês), chama a carta  de “inacreditável”.

Com as dificuldades da Good-Year, o governo francês começou a buscar investidores que poderiam encampar a fábrica e afastar a ameaça que paira sobre mais de mil empregos na planta.

Taylor inicia a missiva suavemente se desculpando pelo atraso em responder a Montebourg, mas logo em seguida faz um duro balanço do sistema de trabalho no país.

“Eu visitei essa fábrica muitas vezes. Os trabalhadores franceses recebem salários elevados, mas não trabalham mais do que três horas por dia. Eles têm uma hora de pausa e o almoço, conversam durante três horas e trabalham outras três horas”, descreve.

“Cheguei a perguntar aos sindicalistas sobre o sistema e eles me responderam que esse é o jeito que as coisas funcionam na França (…)”, disse.

A parte mais dramática da carta vem quando Taylor responde a Montebourg sobre a proposta de estabelecer uma conversa com os sindicatos sobre o fechamento da fábrica.

“O senhor pensa que somos tão estúpidos assim? A Titan tem o dinheiro e o know-how para produzir pneus. E o que tem o louco do sindicato? Ele tem o governo francês. A Titan vai comprar um fabricante de pneus chinês ou indiano, pagar menos de um euro por hora de salário e exportar todos os pneus que a França precisa (…) Não temos nenhum interesse pela fábrica de Amiens-Nord”, anotou o americano.

O caso causou comoção na França não tanto pelo seu conteúdo, já que até a estátua do general De Gaulle sabe que as empresas estão transferindo suas fábricas para países de mão de obra mais barata. A crítica ao poder dos sindicatos também é recorrente entre empresários. O impacto reside mais no tom das queixas.

Em termos de suavizar a realidade, os franceses estão acostumados a um manancial de expressões aparentemente inesgotável.

Recentemente, a revista “The Economist” chamou o vocabulário político e econômico francês de “novilíngua” (newspeak), termo cunhado pelo escritor George Orwell em seu livro “1984” para designar a mudança de significado das palavras em um futuro totalitário.

A revista britânica lembrou que o ex-primeiro-ministro socialista Lionel Jospin privatizou mais companhias do que todos os seus antecessores de direita sem jamais usar a palavra “privatizar”. Preferia “abertura de capital”.

O ex-presidente Nicolas Sarkozy, que não por acaso era chamado depreciativamente de “O Americano” dado a seus modos bruscos, provocou uma onda de queixas dos militantes do politicamente correto ao chamar de “racaille” (escória) jovens envolvidos em tumultos nas periferias. A declaração foi dada quando ele ainda era ministro do Interior, em 2005.

Convém a brasileiros que visitam a França, a passeio ou a negócios, conhecerem alguns eufemismos muito populares no país.

Plan social (Plano social): designa, na verdade, planos de demissão coletiva. Nada a ver, portanto, com o planejamento de uma festa ou atividade social.

Zone urbaine sensible (zona urbana sensível): designa as áreas mais violentas do país, onde o tráfico campeia e distúrbios de rua costumam irromper. Como não se trata de nenhuma inovação urbanística com um toque de sensibilidade, esses bairros não estão entre os passeios mais indicados por guias turísticos.

Cas social (caso social): um “caso social” é o que seria um mendigo no Brasil. Os dicionários até trazem a palavra “clochard” cuja associação seria mais direta, mas é muito pouco polida para o paladar francês. Há cada vez mais “casos sociais” vivendo sob viadutos da periferia de Paris ou em barracos improvisados próximos de linhas de trem.

SDF ou sans domicile fixe (sem domicílio fixo): a sigla é a maneira mais comum se referir a um morador de rua.

Redressement des comptes publics (recuperação das finanças do Estado): no geral, indica os cortes de gastos pelo Estado. Na França socialista, tem menos apelo do que o seu primo semântico, “redressement du pays dans la justice” (recuperação da justiça no país), o eufemismo que mais acompanha os anúncios de planos do governo para elevar alíquotas de impostos de quem ganha mais.

Retour volontaire (retorno voluntário): política do governo de estimular a volta para casa de imigrantes de países pobres. Até o ano passado, o programa previa uma ajuda em dinheiro, mas isso acabou porque muitos “voluntários” davam meia-volta tão logo cruzavam a fronteira. Organizações de auxílio a imigrantes dizem que o “retour volontaire” é fachada para a expulsão de imigrantes indesejados, como comunidades de ciganos.

PS: Montebourg  respondeu a carta ontem. Disse que a visão de “curto prazo” de transferir fábricas para outros países do mundo pode ser alvo de políticas antidumping da União Europeia. Também subiu o tom: “Suas palavras extremistas e ofensivas testemunham uma ignorância perfeita do nosso país”.

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Índia é prioridade para fabricante do Rafale

Por grocha
08/02/13 06:38

Após o fiasco da tentativa de vender o Rafale para a Força Aérea Brasileira, a fabricante francesa Dassault Aviação aposta na obtenção de um contrato para vender 126 caças para a Índia.

O negócio envolverá cerca de 12 bilhões de dólares e uma parceria tecnológica de pelo menos 20 anos.

Numa entrevista concedida ao jornal “Le Monde”, o novo presidente da Dassault, Eric Trappier, disse que o Rafale deverá obter o sinal verde na análise técnica dos militares indianas.

É uma parte do caminho, segundo ele. O resto é política: o presidente François Hollande deverá viajar para a Índia para tentar amarrar as pontas do negócio.

“É a dimensão política que é importante agora, um país não compra essa quantidade de equipamento de um outro país se não há uma relação forte entre os dois Estados no longo prazo”, disse Trappier ao jornal francês.

A situação do contrato na Índia é, de certa forma, inversa ao que se passou no Brasil, onde a simpatia política precedeu a questão técnica.

O processo para a compra de 36 caças por R$ 10 bilhões (valores atualizados) é uma novela inconclusa que começou em 2001, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. O processo foi suspenso em 2003, após a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto, e foi reformulado.

Junto com Nicolas Sarkozy, Lula chegou a expressar preferência pelo Rafale, mas a análise técnica da Aeronáutica preferiu o caça sueco Gripen. Também estava na disputa o americano Super Hornet.

Em visita à França em dezembro, a presidente Dilma Rousseff disse, ao lado de Hollande, que suspendeu o projeto de compra de caças para a Aeronáutica por causa da crise econômica.

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O Sarkozy de François Hollande

Por grocha
06/02/13 06:16

O ministro do Interior, Manuel Valls (Crédito da foto: Ministère de l’Interieuer de France/Divulgaçao)

Ministro mais popular do presidente François Hollande, Manuel Valls, 50, é uma espécie de reencarnação socialista de Nicolas Sarkozy: um outsider da máquina partidária que ganhou projeção nacional no papel de linha-dura contra o crime e a imigração ilegal na França.

Em dezembro, a revista “The Economist” o chamou de “Sarkozy socialista” tais as semelhanças entre os dois. A comparação faz sentido porque, em estilo e trajetória, Valls e o ex-presidente são muito parecidos.

Midiáticos, os dois fizeram carreira como prefeitos de cidades coladas a Paris e se tornaram ministros do Interior. Sarkozy ocupou o cargo entre 2005 e 2007, ano em que foi eleito presidente.

Valls acelerou algumas políticas até bem pouco tempo condenadas pelos socialistas no governo Sarkozy, como a deportação de ciganos que se encontram ilegalmente no território francês.

Com as ameaças terroristas contra a França após a intervenção no Mali, Valls montou um sistema de vigilância que inclui homens fortemente armados em estações de trem, aeroportos e pontos turísticos.

O ministro expulsou do país pregadores islâmicos considerados radicais e apertou o cerco a supostos jihadistas em território francês.

Com a guerra no Mali, o ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, e das Relações Exteriores, Laurent Fabius, passaram a atrair mais os holofotes da mídia. Valls se bate para não sair do primeiro plano com uma agenda bastante carregada.

Desde que a guerra começou, esteve duas vezes na bancada do programa de entrevistas de Jean-Jacques Bourdin, um pinga-fogo com grande audiência do canal de notícias BFMTV.

Na aparição de ontem, anunciou a detenção de quatro suspeitos de serem militantes radicais islâmicos pelo serviço de inteligência interno.

Nas entrevistas frequentes que concede, Valls faz apelos à “ordem” como uma das bases da República – um discurso muito mais identificado com a direita liberal francesa do que com a tradição da esquerda.

O atual ministro do Interior gosta de dar respostas diretas – o que o lhe confere um aspecto meio bronco em um sistema político em que a retórica sofisticada costuma ser a regra.

ESTRELA ASCENDENTE

Valls já chamava a atenção da diplomacia americana muito antes de um escândalo sexual abater a candidatura presidencial do então diretor-presidente do FMI, Dominique Strauss-Kahn.

Segundo telegrama diplomático de 2009, vazado pelo WikiLeaks, o então prefeito de Évry é descrito como “estrela ascendente” da esquerda. Aqui a íntegra do telegrama (em inglês).

Expoente da ala direita do PS, ele propôs a refundação da legenda com a mudança do nome da agremiação partidária em 2007, o que contribuiu para fazer crescerem as desconfianças internas do establishment partidário sobre quão esquerdista Valls seria afinal.

Ele chegou a se colocar como pré-candidato a presidente propondo austeridade fiscal em 2011, propondo uma política econômica com foco na redução do déficit das contas públicas e uma abordagem rigorosa na questão da segurança.

Valls teve somente 6% dos votos na primária socialista. O partido abraçou a plataforma de Hollande com foco na promoção do crescimento da economia.

Como o congênere da direita, Valls não se formou em nenhuma das “grandes écoles”, como são chamadas as escolas da elite da França que formam a quase totalidade da classe dirigente do país. Formado em história, Valls é fluente em espanhol, catalão – seus idiomas maternos – e italiano.

Se Sarkozy, muitas vezes, não era considerado suficientemente francês por ser filho de um imigrante húngaro, Valls nasceu em Barcelona e só obteve a cidadania francesa em 1982, quando se naturalizou.

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Hollande tem recepção de popstar no Mali

Por grocha
02/02/13 09:03

Um toque surrealista da visita-relâmpago de François Hollande ao Mali neste sábado foi o presente das autoridades de Timbuktu para o presidente francês: um camelo. Enquanto o Hollande segurava as rédeas com um aspecto constrangido, o bicho blaterava alegremente.

O camelo, as mensagens de agradecimento e o confete jogado no francês compuseram a atmosfera de otimismo em torno da visita.

Em três semanas, a França tomou os principais redutos dos jihadistas no norte do país. A França entrou na guerra isolada, sem tropas de nenhum outro país ocidental, e agora Hollande colhe os frutos sozinho. Em Timbuktu, tomou um banho de multidão.

François Hollande está no Mali para as fotos de praxe que todo chefe de Estado precisa tirar no teatro de operações após vencer uma guerra. Foi o que fez o seu antecessor Nicolas Sarkozy na Líbia, em 2011.

Ou George W. Bush após a invasão do Iraque, em 2003, em frente à controversa faixa de “missão cumprida”. Como a história mostraria, a insurgência iraquiana faria picadinho do triunfalismo de Bush ao longo dos anos seguintes com uma guerra de guerrilhas e atentados.

O que ocorreu no Iraque pode ter sua versão malinesa. O tom otimista da visita de Hollande não é suficiente para calar uma pergunta incômoda: onde, afinal de contas, estão os jihadistas?

Houve combates em Gao, Konna, Diabali, mas as tropas francesas encontraram Timbuktu e Kidal, no norte do país, virtualmente abandonadas pelos combatentes ligados à Al-Qaeda.

Em desvantagem numérica e em meios, muitos deles se retiraram possivelmente para esconderijos no deserto e não foram realmente neutralizados. Continuarão pairando como ameaça para a estabilização do país e para a segurança naquele pedaço da África miserável.

Um dos diplomatas com quem conversei em Bamaco faz um diagnóstico sombrio dos próximos meses: “a parte realmente difícil começa agora”.

VEGETANDO SOB A TIRANIA

A imprensa internacional conseguiu chegar a Timbuktu nos últimos dias e recolheu relatos estarrecedores da história dos últimos meses em que a população civil vegetou sob a tirania dos radicais islâmicos.

A repórter Lydia Poolgreen, do “The New York Times”, conta como os islamistas, pouco a pouco, tomaram conta de Timbuktu e impuseram um regime de medo e brutalidade.

É especialmente chocante a história do médico que fez um acordo com os combatentes da Al-Qaeda: trataria de seus ferimentos em troca do hospital continuar aberto. Um belo dia, as novas autoridades da AQMI (Al-Qaeda do Magreb Islâmico) levaram ao médico um jovem acusado de roubar. O médico teve de amputar a mão do rapaz. Leia aqui (em inglês).

Os monumentos históricos destruídos, a proibição das coisas mais corriqueiras, como escutar o rádio, as surras e execuções. José Naranjo, do espanhol “El País”, relata como um pequeno caixa eletrônico de banco virou uma cela para punir mulheres. Leia aqui (em espanhol).

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Fechamento de fábrica agrava crise na periferia francesa

Por grocha
31/01/13 10:10

A Goodyear vai fechar sua fábrica em Amiens-Nord, a 120 km de Paris, e deverá despedir 1160 empregados. O anúncio foi feito na manhã desta quinta pelo diretor-geral da companhia na França, Henry Dumortier, e causou ira da CGT, o sindicato dos trabalhadores.

Como o fechamento da PSA (fabricante dos carros Citröen e Peugeot) em Aulnay-sous-Bois, que está sendo discutido na Justiça, as demissões na Goodyear são mais um sintoma da crise do setor automobilístico francês.

Há um agravante social nesse caso. Amiens-Nord é um subúrbio industrial colado à cidade de Amiens. Nesta “banlieue”, como os franceses chamam a sua periferia, o desemprego é superior a 25% da força de trabalho, alcançando 50% entre a população jovem.

É o dobro da média no país e um índice similar ao das zonas mais deprimidas da Espanha, país que ostenta os piores indicadores de emprego da União Europeia. O desemprego e falta de perspectivas de futuro entre os mais jovens é o pano de fundo dos conflitos.

Amiens-Nord foi o primeiro teste de força para o presidente socialista François Hollande no ano passado. Em agosto de 2012, a comunidade habitada majoritariamente por famílias de imigrantes de ex-colônias francesas na África e do Oriente Médio, viveu duas noites de distúrbios.

Prédios públicos foram parcialmente queimados, lixeiras e telefones públicos, calcinados. A loucura começou depois que moradores que participavam de um funeral reclamaram do barulho de uma abordagem policial.

A polícia reagiu com bombas de gás e o local entrou em erupção. Dezessete policiais foram feridos e cinco suspeitos, presos.

No ano passado, depois do confronto, visitei Amiens-Nord e escrevi uma reportagem para a Folha. Leia aqui.

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As mortes de civis e o controle da informação na Guerra do Mali

Por grocha
27/01/13 13:01

Nos últimos dias, autoridades francesas e malinesas repetiram uma cantilena otimista sobre a suposta precisão dos ataques aéreos franceses na Guerra do Mali, mas é um mito que não resiste a uma observação independente do que aconteceu nas zonas bombardeadas na guerra.

Em Konna (720 km de Bamaco), um helicóptero francês abriu fogo contra uma pequena mesquita. Não é possível saber se era mesmo um alvo ou se foi um erro. Os tiros varejaram primeiro uma casa vizinha onde estava uma família.

Haminata Maiga, 40, seus filhos Adama, 10, e Zemebou, 6, e o sobrinho, Aliou, 11, estavam num pequeno cômodo de adobe e morreram na hora. O sobrinho Souleymane Maiga escapou porque estava no pátio. Uma bala raspou seu tornozelo direito e ele mancava no momento em que conversamos em Konna, no sábado.

Pelas contas do prefeito local, onze civis perderam a vida quando os franceses e malineses expulsaram os radicais islâmicos da cidade.

Os jornalistas só conseguiram chegar a Konna ontem, duas semanas após o combate por causa das barreiras que se multiplicam nas estradas.

Quando conversava com Souleymane dentro de casa, um soldado malinês interrompeu a entrevista e me obrigou a me juntar ao grupo de jornalistas que estava junto com o Exército. Souleymane me seguiu e terminamos a entrevista.

Konna é uma pequena amostra do grau de controle de informações imposto pelos franceses. Colegas com experiência em coberturas de guerras anteriores dizem que as autoridades sempre filtram muita informação, mas agora a coisa está bem pior.

Por conta dos checkpoints, nenhum jornalista independente conseguiu presenciar qualquer ataque ou combate. Não é possível se antecipar ao movimento das tropas e partir para cidades que tendem a ser os próximos alvos.

Na semana passada, o Exército francês divulgou imagens aéreas de um ataque contra um prédio. Não informaram qual o alvo, onde estava localizado e quando foi atacado.

Igualmente difícil é checar uma informação ou obter confirmação de autoridades francesas. O caminho tem sido cruzar qualquer rumor com o maior número possível de fontes.

Por exemplo, para escrever sobre a iminência do ataque a Gao na sexta-feira, tive de dar em torno de 30 telefonemas para quatro militares franceses e malineses de batalhões diferentes, diplomatas em Bamaco e empresários ocidentais que têm negócios no norte do Mali (e são bem informados). É trabalhoso, mas dá certo porque se separa o joio do trigo.

Para as TVs que estão aqui, a situação é infernal. Sem imagens de impacto para apresentar no telejornal, é cada vez mais difícil para essas equipes justificarem sua presença neste país obscuro para muitos telespectadores ocidentais. Um grande número de TVs já partiu.

A pior coisa que pode acontecer no Mali é que os militares fiquem sem fiscalização externa exercida pela imprensa. Serve tanto para os bombardeios franceses quanto para as atividades do Exército malinês em zonas reocupadas.

MÉTODO PÔNCIO PILATOS

Com 2.300 soldados no país, a França não cuida da segurança em zonas liberadas por duas razões: nem tem efetivo para agir como força de ocupação nem quem se envolver demais com o Exército malinês.

Pelo arranjo, a França lidera a ofensiva militar e passa para os militares do país a tarefa de garantir da ordem nas cidades. O método francês de lavar as mãos é bem pior para a população civil.

Em Sévaré, por exemplo, soldados malineses são suspeitos de promover execuções em massa de suspeitos de terem colaborado com os islamistas no norte. Algumas das vítimas, segundo ONGs de direitos humanos, teriam sido mortas por razões étnicas.

Além de suspeitas de assassinatos, há casos de negligência inacreditável. Quando estava em Konna, o pescador Malek Siboulier puxou pelo braço a mim e ao repórter fotográfico Sylvain Cherkaoui, do “Le Monde”, e nos levou até a casa dele.

A parede de um quartinho desabou após ser atingida por um obus disparado por rebeldes no dia 10. Quando vi que o projétil estava intacto, tive a reação instintiva de dar o fora.

– Vamos sair daqui porque isso pode explodir a qualquer momento.

– Agora vocês entendem o que eu estou passando. Já pedi 15 vezes para retirarem isso daqui, mas só me mandaram fechar o quarto. Não sei mais o que fazer. Não conseguimos dormir ao lado de uma bomba – respondeu o morador.

Alertamos um oficial chamado Keita sobre o artefato, mas nenhuma providência foi tomada antes de sairmos da cidade. Neste domingo, ligações para o celular de Siboulier caiam na secretária eletrônica.

DADO RELEVANTE: No Mali, a população é amplamente favorável à ofensiva militar dos franceses e espera que os radicais de franquias ligadas à Al-Qaeda sejam expulsos logo. De maneira geral, mesmo com erros cometidos nos bombardeios, habitantes de cidades que foram ocupadas pelos islamistas se mostram agradecidos pela França ter chegado. Eles querem retomar a vida normal.

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Exército de Mali: uma parte do problema

Por grocha
24/01/13 00:39

Pouco mencionado, o Exército de Mali teve um papel crucial para afundar o país na crise que desencadeou a ofensiva militar francesa.

Mal treinado e sem equipamentos, o Exército não conseguiu deter a proliferação de rebeldes que sequestraram, pouco a pouco, o norte do país.

A região ficou sob controle de um mosaico de rebeldia que inclui desde separatistas tuaregues a grupos de radicais ligados à Al-Qaeda, que impuseram um regime de terror baseado na sharia. Tudo aconteceu praticamente sem qualquer resistência.

Em abril de 2012, militares liderados pelo capitão Amadou Sanogo derrubaram o presidente Amadou Toumani Touré e encerraram um ciclo de 20 anos de estabilidade democrática no país.

A quartelada e as disputas de poder no sul do país foram uma avenida de oportunidade para os rebeldes se consolidarem no norte em uma área equivalente ao território da França.

Dois diplomatas ocidentais me disseram que o apadrinhamento político e até mesmo a venda de patentes militares imperam no sistema de promoção.

Agora surgem relatos de que os militares malineses são responsáveis por execuções em massa de civis em zonas de onde os rebeldes foram expulsos. A ONG Federação Internacional dos Direitos Humanos estima em 33 casos até agora.

As vítimas são suspeitas de colaborarem com os rebeldes ou mesmo simplesmente pessoas de aparência tuaregue.

Breve ironia histórica: em janeiro de 2013, o Mali (independente desde 1960) deveria comemorar os 50 anos da retirada dos últimos soldados da ex-metrópole francesa.

(Post escrito em Bamaco)

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Manifestação reúne centenas de malineses em Paris

Por grocha
19/01/13 13:14

Sob uma neve fina e gritando palavras de ordem pela liberação de Mali, centenas de manifestantes fizeram uma passeata um ato público, em Paris, na tarde deste sábado.

A manifestação foi convocada por três grupos de ativistas que apoiam a intervenção militar da França para tentar expulsar grupos de radicais islâmicos do norte da ex-colônia francesa no oeste da África.

No norte de Mali, combatentes ligados à Al-Qaeda – muitos deles veteranos de guerras em outros países – dominam uma faixa desértica de mais de 500 mil km2, território equivalente ao do estado da Bahia. Separatistas tuaregues, habitantes tradicionais do deserto do Saara, também dominam um pedaço do território malinês.

“Nós estamos esperançosos que a França nos ajude a recuperar a integridade do nosso país, ajudando-nos a nos livrarmos desse fenômeno que se diz muçulmano, mas que se financia com o tráfico de drogas no norte do país”, disse o cantor malinês Mussa Bamba, 38, à Folha.

Os manifestantes empunhavam bandeiras da França e de Mali e ostentavam cartazes condenando a aplicação da “sharia”, a lei islâmica no norte do país. Eles cantaram o hino nacional do país e gritavam agradecimentos à França.

O ato reuniu entre 300 e 500 pessoas, segundo a polícia ou os organizadores.

“Os grupos terroristas que tomaram conta do Mali não são apenas um problema do Mali. Nós herdamos terroristas que vieram de outros países e não integram a nossa cultura”, disse o confeiteiro Ladi Sako, 60, que vive desde 1971 em Paris.

A polícia montou um forte esquema de segurança, com agentes da tropa antidistúrbios, e ergueu barricadas para isolar a embaixada de Mali, que fica na rua do Cherche-Midi, no 6º distrito, um dos mais elegantes da capital francesa.

Sem poder chegar à representação diplomática, os ativistas acabaram concentrados em frente à casa do ator Gérard Depardieu, a 30 metros da embaixada.

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Ofensiva militar “recicla” imagem de Hollande

Por grocha
18/01/13 04:01

Quando certa manhã François Hollande acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se metamorfoseado em chefe de uma ofensiva militar.

As primeiras linhas do romance “A Metamorfose”, de Franz Kafka, servem de metáfora da transformação drástica da imagem do presidente francês desde que ele que enviou tropas para combater grupos ligados à Al-Qaeda no Mali.

O indisfarçável apreço do socialista pela conciliação deu lugar a discursos assertivos em que promete “destruir os terroristas” na paupérrima ex-colônia francesa na África Ocidental.

Medindo 1m70, um pouco calvo, de óculos e com voz suave, a Hollande tem um aspecto pacato. Destoa da imagem marcial de chefe guerreiro. Essa aparente contradição inspirou uma profusão de charges da imprensa nos últimos dias.

Conduzir uma guerra nunca esteve em seu script, mas o papel foi imposto pela deterioração da situação no Mali. Situada a menos de 2.000 km da Europa, a faixa desértica do norte do país (área equivalente à da Bahia) está sob controle de grupos radicais islâmicos desde o ano passado.

Hollande iniciou a ofensiva na última sexta, antes da formação de uma força multinacional autorizada pelas Nações Unidas. Agora, a diplomacia francesa tenta quebrar o isolamento.

A visão de que o Mali era um problema eminentemente francês começou a ruir anteontem. Um comando terrorista invadiu e fez reféns em uma planta de extração de gás na vizinha Argélia, internacionalizando a crise.

O desfecho trágico, com a morte de reféns de várias nacionalidades, mostrou que pode se repetir em outras instalações de empresas ocidentais no Magreb.

“O que se passa na Argélia justifica a decisão que tomei em nome da França de intervir no Mali”, discursou o presidente François Hollande, ontem à noite.

Eleito há oito meses com a promessa de ser um “presidente normal”, o socialista vinha enfrentando uma gradual erosão de popularidade principalmente pela falta de bons resultados na economia (pouco crescimento e alto desemprego recorde).

Em dezembro, 62% dos franceses desaprovavam o presidente, segundo o instituto BVA Opinion.

A intervenção no Mali reciclou a imagem de Hollande. Segundo pesquisa do mesmo instituto contratada pelo jornal “Le Parisien”, 75% dos franceses estão de acordo com a decisão do presidente.

É um índice superior ao apoio ao envio de tropas ao Afeganistão em 2001 (55%) e os bombardeios à Líbia em 2011 (66%). No parlamento, Hollande encontrou apoio quase unânime.

Tanto no Afeganistão e na Líbia, a aprovação de seus antecessores foi minguando conforme o envolvimento francês se prolongava.

Por ora, no plano doméstico, a ofensiva militar ofusca temas espinhosos para o presidente, como o polêmico projeto do matrimônio gay e anúncio da montadora Renault de que pretende demitir 7.500 empregados até 2014.

Para o jornal “Le Monde”, o DNA monárquico da França persiste nas circunstâncias da República. No passado, um rei só era plenamente rei após a morte de seu antecessor, na diplomacia ou na guerra.

Ironicamente, a guerra conduzida por um homem que deplora o conflito faz muitos franceses terem a impressão de que, enfim, há alguém mandando no Palácio do Eliseu.

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