O Palocci de François Hollande
04/04/13 06:57Antes de ser um dos principais ministros do governo de esquerda, ele ganhou uma fortuna com uma suposta bolsa-consultoria. Jornalistas acharam os rastros do surpreendente enriquecimento do ministro e publicaram. Ele tentou sobreviver no cargo, mas acabou caindo.
Terminam aí as semelhanças entre os escândalos que abateram Antonio Palocci, no Brasil, e o ex-ministro do Orçamento da França, Jérôme Cahuzac, que nesta semana admitiu ser titular de contas bancárias no exterior.
O que se seguiu depois a cada um dos escândalos mostra uma enorme distância entre a cultura política e o funcionamento das instituiçoes nos dois países.
Em maio de 2011, a Folha revelou que Palocci aumentou em 20 vezes o seu patrimônio entre 2006 e 2010. No período, ele exercia atividades de consultor privado.
À época, o então ministro-chefe da Casa Civil alegou sigilo para não revelar sua lista de clientes. O potencial conflito de interesse entre sua atividade privada e suas funções, que envolvem poderes sobre todas as áreas do governo, forçou sua queda, em junho de 2011.
Em dezembro de 2012, o jornal digital “Mediapart” revelou que Cahuzac mantinha contas bancárias no exterior sem declarar ao fisco. Como ministro do Orçamento, ele era o responsável por combater fraudes fiscais.
Cahuzac negou a existência das contas ao presidente François Hollande, ao parlamento e à imprensa. Mesmo assim, o Ministério Público abriu uma investigação sobre o caso em janeiro deste ano.
Em março, ele deixou o cargo e na última terça, acuado pelo processo judicial, parou de mentir e admitiu ter movimentado 600 mil euros (R$ 1,56 milhão) em contas na Suíça e em Cingapura.
O dinheiro, segundo admitiu, era proveniente do pagamento de consultorias prestadas à indústria farmacêutica nos anos 1990.
Palocci recebeu apenas uma “censura ética” da Comissão de Ética Pública da Presidência da República. Na prática, não implica nenhuma restrição prática: ficou apenas um registro formal de que ele teve problemas éticos, mas ele pode ainda ser nomeado para cargo público. Não foi alvo de nenhuma investigação formal, que poderia ou não resultar em processo judicial, sobre a origem dos recursos.
Cahuzac foi indiciado por fraude fiscal e lavagem de dinheiro e pode acabar na cadeia. Seu mundo caiu: o presidente Hollande disse, na televisão, que seu ex-ministro enganou todas as altas autoridades do país e “ultrajou a República”. O Partido Socialista o expulsou e não há clima político para que Cahuzac reassuma a sua cadeira de deputado na Assembleia Nacional. Transformou-se em pária da vida pública. E, note-se, o processo em curso ainda não resultou em condenação.
QUEM SERÁ ARRASTADO COM CAHUZAC?
O destino oposto de dois ex-ministros derrubados por suspeitas é simbólico, mas não é o mais importante. A questão é quem mais Cahuzac vai arrastar junto com ele.
O escândalo estourou dentro do Eliseu (sede da presidência) e agora a imprensa já começa a apurar se houve uma rede de proteção para beneficiar Cahuzac desde dezembro.
O ministro das Finanças, Pierre Moscovici, entrou na linha de tiro e tem sido questionado sobre os controles fiscais que falharam (ou protegeram?) o ex-colega Cahuzac. Os opositores da UMP (centro-direita) pediram a demissão de Moscovici.
“Ninguém sabia [que Cahuzac tinha contas no exterior]. Nem o presidente da República nem o primeiro-ministro nem eu mesmo. Àqueles que dizem que nós não poderíamos não saber, eu apresento um desmentido categórico”, disse Moscovici ao jornal “Le Monde”. O ministro admitiu, contudo, ter “pecado por excesso de confiança” nos desmentidos do colega.
No popular programa de entrevistas de Jean-Jacques Bourdin (BFM TV), o ministro do Interior, Manuel Valls, também foi inquirido, em termos bastante duros agora há pouco, sobre por que os serviços de inteligência que chefia não foram atrás das pistas dadas pelo “Mediapart” em dezembro.
Serviços de inteligência poderiam, em tese, descobrir as contas e avisar Hollande para que ele demitisse Cahuzac rapidamente, evitando o tsunami político que se formou desde anteontem.
Valls desconversou e disse que a inteligência do país estava engajada na “luta contra a ameaça terrorista”. Crescem os questionamentos de leniência dos serviços de inteligência comandados por Valls.
O TESOUREIRO
Em pleno escândalo Cahuzac, o jornal “Le Monde” revela na sua edição de hoje que o tesoureiro da campanha de Hollande em 2012, Jean-Jacques Augiers, 59, figura como acionista de duas empresas offshore nas ilhas Cayman, paraíso fiscal no Caribe.
Não há qualquer relação com o caso do ex-ministro do Orçamento, mas certamente não ajuda nada no esforço de Hollande de tentar recuperar a confiança dos franceses no governo socialista.
Os negócios de Augiers nas Cayman apareceram numa investigação do “Le Monde” com base nos dados obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).
A Folha de hoje traz reportagem explicando detalhes da maior investigação jornalística já feita (por repórteres de 46 países) sobre como funciona a lavanderia internacional de capitais nos paraísos fiscais. Clique aqui para ler a reportagem e aqui para ler a análise de Marcelo Soares sobre o assunto.
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