Repórteres do "Le Monde" testemunharam ataque químico na Síria
27/05/13 07:01Repórteres do jornal francês “Le Monde” testemunharam um ataque com armas químicas pelas forças do ditador Bashar al-Assad contra rebeldes do Exército Livre da Síria, principal braço armado da oposição no país.
Trata-se de um gás incolor e inodoro, que se espalha no ar sem fumaça. Segundo o Monde, o ataque químico ocorreu em Jobar, cidade perto da Damasco, ocupada pelos rebeldes desde janeiro.
Os repórteres Jean-Philippe Rémy e Laurent Van Der Stockt entraram clandestinamente na Síria, conseguiram chegar à cidade e presenciaram o ataque químico.
Após o ruído metálico similar ao de uma lata de Pepsi cair no chão, descreve o jornal na edição que chega às bancas nesta segunda, os combatentes começaram a sentir os efeitos do gás.
A neurotoxina age rápido: primeiro, as vítimas começam a tossir violentamente, os olhos queimam e as pupilas se contraem ao extremo até a vista escurecer. Logo depois, começam as dificuldades agudas para respirar, vômitos e desmaios.
No vídeo que o jornal “Le Monde” pôs no ar, combatentes aparecem distribuindo máscaras antigás após um ataque. Médicos ouvidos pelos repórteres relatam que o gás foi responsável por mortes. (Clique aqui para ver, em francês com legendas em inglês)
Os rebeldes estão sendo tratados com a administração de atropina (antídoto para o gás Sarin), hidrocortisona (antibiótico) e oxigênio. O suprimento de medicamentos está em vias de terminar.
Van Der Stockt, fotógrafo independente que está na Síria para o “Le Monde”, relatou ter sentido sintomas de sufocamento.
“Senti a mesma coisa: pupilas contraídas e dificuldades para respirar. (…) Os efeitos são mais ou menos graves, dependendo do tempo de exposição e de como o vento se desloca”, relatou Van Der Stockt, em uma entrevista a um canal de TV agora há pouco. (Clique aqui para ver, em francês)
Cidade colada a Damasco, Jobar é hoje o front de combate mais próximo do centro da capital. A cidade em ruínas é controlada desde janeiro por três grupos de combatentes (Tahrir al-Sham, Liwa al-Islam e Jabhat al-Nusra), ligados ao Exército Livre da Síria.
Para se proteger de bombardeios e snipers, os rebeldes circulam por dentro de uma centena de casas, interligadas por buracos abertas nas paredes.
Segundo o Le Monde, a primeira morte em Jobar pelo uso do gás misterioso pode ter ocorrido em 18 de abril. Em 8 de abril, o hospital al-Fateh de Kafer Batna, na região de Ghouta (leste de Damasco) registrou um paciente com sintomas de contaminação por uma neurotoxina. Segundo o pessoal médico ouvido pelo “Le Monde”, o homem teria sido exposto ao gás na cidade de Otaiba, onde o governo sírio move uma ofensiva contra os rebeldes desde março. O conjunto desses episódios pode indicar o uso massivo da arma química.
“A rebelião não está ganhando terreno nem ameaça o regime na capital. É o contrário, os rebeldes estão cada vez mais cercados. As armas químicas estão sendo bastante utilizadas (…) É um crime de Estado massivo”, disse Van Der Stockt.
Segundo o jornalista, o objetivo do uso do gás não parece ser o de obter uma vitória militar direta sobre os rebeldes – já que os bombardeios convencionais são bem mais letais –, mas provocar deserçoes.
“O interesse do regime em usar essa arma é que ela é pouco detectável. Não tem cor nem cheiro. É um tipo de arma de terror, porque há um temor permanente que desencoraja muita gente. Evidentemente, [o ataque com gás] fez muito menos vítimas que os bombardeios convencionais, mas gera muito medo, inclusive nos civis. É um tipo de arma psicológica”, disse.
LINHA VERMELHA
Em agosto de 2012, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, disse que o uso de armas químicas pelo regime de al-Assad se constituía a “linha vermelha” que, se ultrapassada, justificaria uma intervenção internacional na Síria. Desde então, EUA, Turquia e Israel já afirmaram que havia indícios do uso de armas químicas, mas nenhuma prova surgiu além dos rumores.