Os interesses em jogo na polêmica do casamento gay na França
23/04/13 08:05A França deverá se tornar, hoje, o 14º país do mundo a permitir o casamento entre as pessoas do mesmo sexo. Casais homossexuais também deverão ganhar o direito a adoção.
A votação final da matéria deverá ser rápida, já que é clara a maioria do socialista François Hollande no parlamento. O projeto já passou em primeiro turno na Assembleia Nacional e no Senado.
(EDITADO ÀS 17h40 [12h40 DF]: O PROJETO FOI APROVADO POR 331 VOTOS A 225.)
Houve uma intensificação dos protestos contra o projeto nos últimos dias. As manifestaçoes são praticamente diárias em Paris. Elas juntam grupos heterogêneos.
Os opositores tentam colar a impopularidade de Hollande, rejeitado por mais de 70% do eleitorado após onze meses, mas isso não tem funcionado já que pesquisas de opinião mostram que a maioria da população é favorável ao “casamento para todos”, como o governo batizou o projeto.
Rachada em terríveis disputas internas, a UMP (partido de centro-direita de Nicolas Sarkozy) viu na oposição ao casamento entre pessoas do mesmo sexo uma oportunidade de recuperar um mínimo de unidade interna e abraçou a causa.
A igreja, obviamente, tem arregimentado o seu rebanho para protestar em Paris. A Frente Nacional (legenda de extrema-direita) também combate a iniciativa, apesar de sua líder, Marine Le Pen, ter dito que muitos dos opositores ao projeto são homofóbicos.
Uma parte do grupo que foi às ruas no último domingo se autodenomina “Primavera Francesa” e tenta capitalizar a fúria contra Hollande, a quem culpam pelo baixo crescimento e pelo desemprego recorde do país, em favor da agenda anticasamento gay.
OS RADICAIS
Nas margens do movimento legítimo de oposição ao projeto, contudo, há grupos radicais responsáveis por ataques contra homossexuais. Semanas atrás houve enfrentamento entre manifestantes e a polícia, próximo da Assembleia Nacional – o que levou a própria liderança dos que se opoem ao casamento a dizer que o movimento estava “infiltrado” por extremistas.
Em uma grande manifestação que reuniu centenas de milhares de pessoas em uma tarde de março, grupos extremistas foram deixados de fora. Eles desfilaram, sozinhos, à noite.
Com faixas chamando a homossexualidade de “perversão”, a marcha tinha aspecto militarizado e muitos participantes com rosto coberto por máscaras. A tropa-de-choque os acompanhou de perto, mas naquela ocasião não houve confusão.
Há duas semanas, o holandês Wilfred de Bruijn estava caminhando com o namorado numa rua em Paris quando foi atacado por um grupo. A foto do rosto ensanguentado de Bruijn foi compartilhada milhares de vezes no Facebook (Clique aqui para ver).
Também houve ataques contra bares gays em Bordeaux (sudoeste do país) e Lille (norte). Em Nice (sul), um casal de homens também foi agredido no final de semana.
PREFEITOS REBELDES
A UMP pretende questionar o projeto do casamento entre pessoas do mesmo sexo, no Conselho Constitucional – que tem um papel de guardião da Constitucional (no Brasil, isso é feito pelo Supremo Tribunal Federal). A chance de sucesso é incerta.
Diferentemente do Brasil, onde os casamentos civis são realizados no cartório, na França o ato civil ocorre na prefeitura. Em vez de um tabelião, quem celebra o casamento é o prefeito.
É uma cerimônia rápida, onde os noivos dizem o “sim” diante de bandeiras tricolores e de um pôster do presidente da República. Quando me casei aqui ano passado, a foto era de um Sarkozy sorridente e o prefeito ostentava uma faixa azul, branca e vermelha sobre o paletó. Tudo muito republicano.
O prefeito da pequena Selestat (leste), Marcel Bauer (UMP), disse hoje à BFM TV que prefere deixar o cargo a casar dois homens.
“Se essa lei passar, o prefeito que se recusar (a casar gays) poderá pegar três anos de prisão, pagar uma multa de 45 mil euros [R$ 117 mil] e a destituição do cargo. É melhor renunciar antes”, disse Xavier Lemoine (UMP), prefeito de Montfermeil, perto de Paris.
A vice dele, do mesmo partido, diz que renuncia junto com o titular, se isso ocorrer. A imprensa francesa diz que centenas de prefeitos ameaçam fazer o mesmo. O tempo dirá quantos estão fazendo bravata.
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