As mortes de civis e o controle da informação na Guerra do Mali
27/01/13 13:01Nos últimos dias, autoridades francesas e malinesas repetiram uma cantilena otimista sobre a suposta precisão dos ataques aéreos franceses na Guerra do Mali, mas é um mito que não resiste a uma observação independente do que aconteceu nas zonas bombardeadas na guerra.
Em Konna (720 km de Bamaco), um helicóptero francês abriu fogo contra uma pequena mesquita. Não é possível saber se era mesmo um alvo ou se foi um erro. Os tiros varejaram primeiro uma casa vizinha onde estava uma família.
Haminata Maiga, 40, seus filhos Adama, 10, e Zemebou, 6, e o sobrinho, Aliou, 11, estavam num pequeno cômodo de adobe e morreram na hora. O sobrinho Souleymane Maiga escapou porque estava no pátio. Uma bala raspou seu tornozelo direito e ele mancava no momento em que conversamos em Konna, no sábado.
Pelas contas do prefeito local, onze civis perderam a vida quando os franceses e malineses expulsaram os radicais islâmicos da cidade.
Os jornalistas só conseguiram chegar a Konna ontem, duas semanas após o combate por causa das barreiras que se multiplicam nas estradas.
Quando conversava com Souleymane dentro de casa, um soldado malinês interrompeu a entrevista e me obrigou a me juntar ao grupo de jornalistas que estava junto com o Exército. Souleymane me seguiu e terminamos a entrevista.
Konna é uma pequena amostra do grau de controle de informações imposto pelos franceses. Colegas com experiência em coberturas de guerras anteriores dizem que as autoridades sempre filtram muita informação, mas agora a coisa está bem pior.
Por conta dos checkpoints, nenhum jornalista independente conseguiu presenciar qualquer ataque ou combate. Não é possível se antecipar ao movimento das tropas e partir para cidades que tendem a ser os próximos alvos.
Na semana passada, o Exército francês divulgou imagens aéreas de um ataque contra um prédio. Não informaram qual o alvo, onde estava localizado e quando foi atacado.
Igualmente difícil é checar uma informação ou obter confirmação de autoridades francesas. O caminho tem sido cruzar qualquer rumor com o maior número possível de fontes.
Por exemplo, para escrever sobre a iminência do ataque a Gao na sexta-feira, tive de dar em torno de 30 telefonemas para quatro militares franceses e malineses de batalhões diferentes, diplomatas em Bamaco e empresários ocidentais que têm negócios no norte do Mali (e são bem informados). É trabalhoso, mas dá certo porque se separa o joio do trigo.
Para as TVs que estão aqui, a situação é infernal. Sem imagens de impacto para apresentar no telejornal, é cada vez mais difícil para essas equipes justificarem sua presença neste país obscuro para muitos telespectadores ocidentais. Um grande número de TVs já partiu.
A pior coisa que pode acontecer no Mali é que os militares fiquem sem fiscalização externa exercida pela imprensa. Serve tanto para os bombardeios franceses quanto para as atividades do Exército malinês em zonas reocupadas.
MÉTODO PÔNCIO PILATOS
Com 2.300 soldados no país, a França não cuida da segurança em zonas liberadas por duas razões: nem tem efetivo para agir como força de ocupação nem quem se envolver demais com o Exército malinês.
Pelo arranjo, a França lidera a ofensiva militar e passa para os militares do país a tarefa de garantir da ordem nas cidades. O método francês de lavar as mãos é bem pior para a população civil.
Em Sévaré, por exemplo, soldados malineses são suspeitos de promover execuções em massa de suspeitos de terem colaborado com os islamistas no norte. Algumas das vítimas, segundo ONGs de direitos humanos, teriam sido mortas por razões étnicas.
Além de suspeitas de assassinatos, há casos de negligência inacreditável. Quando estava em Konna, o pescador Malek Siboulier puxou pelo braço a mim e ao repórter fotográfico Sylvain Cherkaoui, do “Le Monde”, e nos levou até a casa dele.
A parede de um quartinho desabou após ser atingida por um obus disparado por rebeldes no dia 10. Quando vi que o projétil estava intacto, tive a reação instintiva de dar o fora.
– Vamos sair daqui porque isso pode explodir a qualquer momento.
– Agora vocês entendem o que eu estou passando. Já pedi 15 vezes para retirarem isso daqui, mas só me mandaram fechar o quarto. Não sei mais o que fazer. Não conseguimos dormir ao lado de uma bomba – respondeu o morador.
Alertamos um oficial chamado Keita sobre o artefato, mas nenhuma providência foi tomada antes de sairmos da cidade. Neste domingo, ligações para o celular de Siboulier caiam na secretária eletrônica.
DADO RELEVANTE: No Mali, a população é amplamente favorável à ofensiva militar dos franceses e espera que os radicais de franquias ligadas à Al-Qaeda sejam expulsos logo. De maneira geral, mesmo com erros cometidos nos bombardeios, habitantes de cidades que foram ocupadas pelos islamistas se mostram agradecidos pela França ter chegado. Eles querem retomar a vida normal.